Oxalá o Ramadão nunca acabe !
A Lua apareceu e, ao 9º mês do calemdário Muçulmano, começou o Ramadão. Esta milenar pática religiosa é excelentemente retratada no texto de Isaltina Padrão :
«São quase 18 horas.
A chuva miudinha quebra a luz que, embora fraca, minutos antes iluminava os azuis e brancos das ruelas da medina de Tunes. De repente, o silêncio instala-se. Os vultos desaparecem. Os safsari e as jebba que cobrem os corpos de mulheres e homens somem-se porta a dentro, seja das suas casas ou das inúmeras mesquitas da parte velha da cidade. Mas não é a chuva que leva a este súbito recolhimento. É a fé.
A voz encorpada do muezzin chama para a oração que antecede o final de mais um dia de jejum neste mês sagrado do Ramadão. A resposta ao chamamento esvazia as ruas de gente, que mais tarde regressa ao souk para as compras, para fumar chicha... ou conviver.
Ikbal Trabelsi tem 33 anos e é um dos muitos muçulmanos cuja ansiedade, após 13 horas de sede e fome, o leva instintivamente a um café onde o cachimbo de água lhe faz companhia. Ikbal esforça-se por respeitar o jejum, mas é um bom exemplo do espírito laico que se instala aos poucos na Tunísia, um dos países árabes mais ocidentalizados. Para este homem, rezar nem pensar pois diz ser "um acto incompatível" com o seu modo de vida "moderno". Entre os seus "pecados", contam-se o prazer pela comida, pela bebida, pelo tabaco e pelo sexo. Tudo o que é proibido durante o Ramadão, do nascer ao pôr-do-sol.
Imposto pela família, o "sacrifício" de Ikbal, que já dura há quatro semanas, está a acabar. Provavelmente, termina hoje, caso a lua nova dê o ar da sua graça esta noite e ponha fim ao Ramadão. Prepara-se já a grande festa da quebra do jejum - o Id al Fitr - que enquanto para este tunisino é sinónimo de divertimento, para a maioria dos muçulmanos é o culminar de uma vitória interior, em que corpo e alma foram purificados. Para esses, a celebração tem início pela manhã com uma oração especial, em que se usa algo novo. Esta é também a última oportunidade para entregar nas mesquitas a esmola aos pobres.
É, aliás, essa faceta de "vestir a pele" dos necessitados que leva Ikbal a jejuar no nono mês do calendário islâmico. "Eu acredito que todas as pessoas são iguais, mas na prática não é assim." O desabafo dá-lhe algum alento ao pensar que "no Ramadão isso acontece, pois os ricos experimentam algo que acontece quase todos os dias com os pobres, que é ficarem privados de comida".
Em tempos, o ex-presidente Habib Burguiba tentou sensibilizar os tunisinos para as desvantagens que o Ramadão traz à economia, porque se trabalha menos. E quis dissuadi-los de fazer jejum, aparecendo na televisão a beber sumo de laranja. "Se é verdade que o comércio encerra mais cedo também reabre à noite", diz um crente, para quem a fé "não pode ser imposta nem proibida". Até Ikbal, o laico, tem um desejo "Oxalá o Ramadão nunca acabe." Nem ele consegue imaginar a cultura do seu país sem este mês de jejum.»
Esaltina Padrão / Tunes (in "Diário de Notícias") 03.11.05
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